Recentemente o Candidato a prefeitura de SP pelo PSOL, Guilherme Boulos se envolveu em uma polêmica, bom, chamar o que aconteceu de polêmica é dar muito crédito a palavra.
Boulos participou de um comício há algum tempo, aonde, na solenidade do comício a cantora decidiu cantar o hino nacional em pronome neutro, e… só isso, ninguém morreu, não houve grande violência, não houve grande drama, o hino nacional, por escolha artística de uma cantora foi cantada em pronome neutro.
Isso foi então pego pela direita e começaram os ataques clássicos, um ‘bait’ de internet tão frouxo que qualquer um que conviveu neste meio por algum tempo acharia fraco, a direita pautou efetivamente a “””vergonha””” e “””absurdo””” do pronome neutro no hino nacional.
A esquerda reacionária mordeu, começando a atacar a ideia de pronomes neutros em si. Reproduzindo e repetindo discursos que não estariam muito fora de lugar no fórum neonazista stormfront. Tais discursos reproduzidos pela esquerda reacionária atacavam pessoas trans, usando o chamado ‘identitarismo’, um vitríolo histriônico que se assemelha a um vilão de quadrinhos dos anos 70. Tal vitríolo escancarou a violência social contra a existência de pessoas trans mesmo em sua forma mais inofensiva.
Novamente não foi pautado o pronome neutro, não foi imposto, uma pessoa, por escolha própria o utilizou, e isso foi suficiente.
Esta introdução é necessária para a justificativa deste artigo, mas não é exatamente sobre tal evento, e sim sobre o candidato Guilherme Boulos do PSOL e sua plataforma, como a ‘esquerda’ institucional no território brasileiro está tão vendida ao neoliberalismo, tão reativa com as coisas pautadas e ditas pela direita que se tornam incapazes de vender as próprias pautas da esquerda, que se tornam impopulares e, de certa forma, braços do neoliberalismo que procuram espantalhos e bodes expiatórios nas minorias mais marginalizadas do país.
Durante sua campanha Boulos abandonou e moderou a maioria de seus discursos históricos com o intuito de torná-los mais “abrangentes” e mais “aceitáveis” pela sociedade em geral, porém, isso funciona? É uma boa tática eleitoral abandonar as pautas de sua base e das pessoas mais necessitadas, as pautas da esquerda, as pautas pelas quais as pessoas brigam por décadas em prol de uma pauta aguada, pouco ofensiva e pouco desafiadora ao sistema?
A resposta simples e direta para estas perguntas é um não bem-dito e em claro e alto tom, porém tal afirmação precisaria de uma boa argumentação, então vamos à argumentação usando a campanha de Boulos como exemplo.
Nas eleições para a prefeitura de são Paulo temos Ricardo Nunes, candidato a reeleição, alinhado a alta cúpula do PL e Bolsonaro, alinhado ao fascismo institucional, já foi réu de abuso doméstico, temos Tabata Amaral, alinhada ao neoliberalismo internacional, princesa liberal, passou tudo que o Lemann pediu e mais um pouco, adorada pela burguesia urbana, adorada pela classe média liberal, temos também Pablo Marçal, o fascista goiano, assaltante de bancos, amigo do PCC, temos Datena, apresentador bufão, hiper-punitivista, candidato pelo já quase morto PSDB, por fim, dos candidatos grandes desta eleição temos Boulos, alinhado ao MTST, MST, PT, ex-líder de greve, que fez diversas ocupações diretas, militante do MTST em São Paulo, já ganhou projeção nacional por sua candidatura a presidência.
Superficialmente, como candidato da esquerda, Boulos deveria ser quase infalível, considerando ainda uma das capitais mais liberais do país Boulos deveria ser uma força imponente na campanha, mas o oposto tem se mostrado verdade, sua campanha começou forte com quase 30% das intenções de voto no começo do ano, porém, conforme a eleição se aproxima, Boulos tem perdido votos e força. Por quê?
Vamos analisar com mais profundidade como ele lidou com sua campanha. Desde o começo do ano ele tem aguado sua campanha mais e mais, com mais e mais afirmações e entrevistas que a cada dia não parecem tão diferentes de entrevistas de um candidato do PSDB. Dentre as pautas ‘aguadas’ que já afirmou estão, direitos ao aborto, drogas, segurança pública, investimentos, sindicalismo, enfim, quase tudo que faz pautas de esquerda serem de esquerda.
Durante este ano quaisquer resquícios de radicalidade de Guilherme Boulos foram lavados e jogados em prol de uma política aguada, nada radical, pelega, autoritária e fajuta, tudo em nome de uma suposta “estratégia” para “uma frente mais ampla” e com mais “abrangência”, neste pensamento também quaisquer falas mais radicais são vistas como toxicas a campanha em si, como se suas menções ou declarações fossem venenosas a quaisquer formas de campanha.
Durante a campanha negou a ampliação aos direitos do aborto, pauta absurdamente popular em São Paulo, apesar das vozes de grupos evangélicos é comum até ver pessoas conservadoras a favor do aborto, especialmente se elas têm útero, Boulos foi contra a descriminalização das drogas também, uma pauta relativamente popular em São Paulo, principalmente entre os jovens além de repetir discursos reacionários e de guerra contra as drogas, após o drama pautado pela direita Boulos rejeitou a mudança do pronome do hino nacional dizendo que foi um “absurdo” a alteração do Hino, jogando toda a pauta LGBTQIAPN+ debaixo do ônibus por uma pauta fajuta da direita.
Todas essas posições são bem diferentes de suas posições de 2018, se tornaram cada vez menos diretas, mais moderadas, mais neoliberais, mais assimilacionistas e mais conciliadoras. Cada dia mais suas posições avançam à direita, reativas as ações da mesma e isso se mostra claramente em suas ações nos debates com o Pablo Marçal.
Marçal chegou tomando as bases bolsonaristas de São Paulo de assalto, com sua retórica histriônica, bufona e fascista, com suas declarações hiper exageradas, suas falas que evocavam os tempos mais extremistas de Bolsonaro ele toma a base bolsonarista, existem inclusive relatos de que uma divisão no partido do PL sobre o apoio a Marçal se formou, a base do partido, formada por pessoas radicalizadas no bolsonarismo, naturalmente gravitou para ele enquanto a cúpula do Bolsonaro, pessoas elevadas no partido ainda apoiam Nunes.
Com sua chegada, Marçal causou uma revoada dos pombos na política paulistana, ao ponto de que ninguém sabia para onde ir, Boulos, até o momento com a maioria das intenções de voto, capitulou cada vez mais para as falas da direita, tornando-se reativo enquanto Marçal se tornava um agente puramente ativo, decidindo as pautas, colocando a esquerda em modo de defesa.
A reação ao fascismo de Marçal por parte de Boulos foi, em uma palavra, vergonhosa. Sua ação foi passiva, fraca, sempre na defensiva, sempre tentando responder às pautas, ser o “homem melhor” táticas que nunca funcionaram na história contra fascistas com bases de poder estabelecidas, e, quanto mais ele tomava o controle dos debates mais a esquerda se apassivava, mais dando espaço para um fascista violento tomar as rédeas da narrativa.
De todas as pessoas que agiram com imposição perante ao fascismo crescente e a tomada hostil de Marçal pelo público de Nunes, Tabata Amaral, a famosa “batata liberal” como pessoas em redes sociais de esquerda a insultam, tomou a frente e bateu diretamente com Marçal. Não se pode ignorar o fascismo e esperar que ele vá embora. Marçal tinha 12 milhões de seguidores no Instagram, milhões de inscritos no YouTube, ele não é uma força que se pode só ignorar. A esse ponto a tática de “ignorar” não só não funciona como lhe deu espaço.
Amaral seguiu por outra linha, a única linha que se existe, enfrentar o fascista de cara, investigou seu passado, encontrou ligações de Marçal com o PCC, encontrou casos de corrupção, ligações com o tráfico de drogas, enfrentou o mesmo em debate. Mas ainda assim não foi o suficiente. Marçal continua crescendo.
Também não daremos tantos louros a Amaral, o que ela fez foi o mínimo, enfrentamento no meio político por vias liberais, ainda lutando a batalha nos termos das instituições burguesas, ainda o enfrentando pelas redes sociais, ainda tentando enfrentar o fascismo paulistano pelos meios do liberalismo. Amaral jamais conseguiria derrubar Marçal verdadeiramente, pois sua plataforma, ainda mais do que a de Boulos, é extremamente neoliberal nos seios da burguesia urbana.
Boulos, por outro lado, em sua postura passiva com a direita não só não conseguiu aumentar sua base, mas mal consegue manter a base atual. Em outras palavras, ele tenta apelar constantemente para um público que jamais irá votar nele, apelar constantemente para o público evangélico cuja maioria é extremamente radicalizada à direita, apelar constantemente para a direita liberal, para os conservadores em prol de uma base maior eleitoreira, e o caso do pronome neutro no hino nacional demonstra isso mais do que tudo.
Não foi um problema, foi o oposto de um problema, foi algo bom, um comício teve a inclusão do pronome neutro, uma pauta que é extremamente importante para a construção da inclusão social verdadeira e material, poderíamos falar muito sobre como o pronome neutro tem sua importância, mas este artigo é sobre a reação da esquerda e de Boulos sobre o assunto.
Após a viralização do corte pela direita, a esquerda institucional e reacionária caíram como patinhos, começando a atacar a ideia em si de pronomes neutros, começando a atacar ativismo trans como a causa da perda dos votos, imediatamente criando espantalhos, a pauta deixou de ser a liberalização das pautas de Boulos, deixou de ser o peleguismo, neoliberalismo, entreguismo mostrado pela pauta do candidato, mas sim… pronome neutro. Ninguém, e repito, ninguém estava pautando pronome neutro nesse meio. Mas imediatamente se tornou um caso de demonstração da transfobia enraizada na esquerda.
O pronome neutro não foi pautado ou imposto, não estavam debatendo pronome neutro no comício, não estavam fazendo um estudo… Uma cantora… usou o pronome neutro, e imediatamente era como se o mundo tivesse acabado. Pela bagunça levantada pelos jornais e redes sociais não seria de se esperar um escândalo enorme de corrupção, mas não, foi o pronome neutro cantado de livre e espontânea vontade por uma cantora em expressão artística.
Boulos, porém, não ficou calado perante esta falsa polêmica, em vez de tomar a ação mais inteligente e ignorar uma pauta da direita e de reacionários, seguindo para pautas que poderiam ganhar seus votos ou até assentindo a liberdade da cantora em performar suas músicas claramente, como já dito, o candidato mordeu a isca também, falando que foi um ‘absurdo’ a mudança do hino nacional, validando a pauta reacionária, jogando pessoas LGBTQIAPN+ debaixo do ônibus e ainda por cima acenando ainda mais para o reacionarismo.
E no fim por quê? Quantos votos de Marçal isso tirou? Quantos votos evangélicos isso ganhou? Eu garanto que menos votos do que tal ação alienou, alienando toda uma população marginalizada e seus aliados na cidade com maior número de pessoas queer do país, alienou mais ainda uma base de esquerda. Tudo isso por pautas da direita.
No fim, Guilherme Boulos não está perdendo votos devido ao ‘identitarismo’, ou pessoas queer, ou pronome neutro, e se você acha isso você é idiota. Ele está perdendo votos porque abandonou a maioria das pautas reais da esquerda, está cada vez mais moderado, apelando cada vez mais para um centro fascistoide e uma população evangélica cada vez mais radicalizada no bolsonarismo que jamais vai votar nele.
A incompetência política dele se mostra cada vez mais com suas ações, caso ele estivesse posicionando as pautas da esquerda de forma direta, atacando Marçal, desmantelando os argumentos da direita, ignorando a forma imagética clara de toda a mídia burguesa ninguém estaria sequer falando sobre isso, porque quem estaria pautando o discurso seria a esquerda. Boulos, no fim, é um pelego que já demonstrou claramente seu alinhamento.
Ele não será um candidato da esquerda, será um novo PT, alinhado ao centro, conciliando tudo. Não quebrando as estruturas sociais de opressão, não trazendo nada. E sua incompetência politica mostra a sua capacidade de alienar a própria base enquanto não ganha nada da base da direita, movendo para fora as bases de centro, pois suas propostas aguadas não atraem e não são apresentadas verdadeiramente.
Isso significa que ele vai perder a eleição? Que a direita vai ganhar? Não, não significa, ele ainda pode ganhar, mas, caso perca, será a culpa de sua própria campanha, de sua própria arrogância em lidar com os tempos atuais como se fossem os anos 2000, de alienar suas bases e alienar o povo de sua campanha cada vez mais indistinguível de alguém do PSDB.
O que a esquerda institucional não parece entender é que, se a esquerda parece o PSDB, o eleitor vai votar no PSDB, não no ex-líder do MTST. Afinal, pelo menos eles são mais honestos e não tucanos pintados de vermelho.
Com tudo isso espero demonstrar que a política eleitoral em si não é revolucionaria ou radical e não trará mudanças reais, todo o caso de Guilherme Boulos é apenas um caso de estudo de como a esquerda institucional se desmantelara para o sistema capitalista e burguês no segundo que desafios aparecerem. As eleições não funcionam como atos de mudança real, mas apenas como paliativos, preventivos enquanto se constrói uma base real.
A construção de bases é importante, o caso do pronome neutro mostrou muito obviamente como ninguém irá lutar pelos direitos e pautas LGBTQIAPN+ se não membres da comunidade. Ninguém vai lutar por nós senão nós, para isso precisamos de organização, precisamos de força e precisamos de união, em todas as frentes. Queer, Indígena, Negra, sindical, Lumpen, quilombola, etc.
Uma vitória de Marçal poderia criar um proponente a ser o novo Bolsonaro, assumir as forças nacionais do bolsonarismo, mas a vitória de Boulos não seria uma vitória da esquerda, mas um paliativo final.
Em conclusão, lutem, ganhem o que puderem e lutem, formem redes de comunicação e ajuda. A institucionalidade vai se vender tão rapidamente quanto o sol se pôr em um dia de inverno, e vão usar os grupos marginalizados como bodes expiatórios para culpar as suas derrotas. E em muitos casos como este mostram bem claramente. Como perder eleições… alienando suas bases, apelando para bases que não vão votar em você, e se tornando passivas perante o fascismo. A política tem consequências reais. Mas, às vezes, parece que muitos políticos não se importam.
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