O movimento Vida Além do Trabalho, tomou rapidamente seu merecido lugar na internet e no debate público durante o último ano. Oque este movimento quer? Primeiramente a redução da escala de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho para um de folga) sem redução do salário.
Por mais que esta já seja uma ótima proposta ainda há mais, além da proposta bem clara a respeito da carga horária o VAT também tem uma proposta mais abstrata de pedir, como o nome sugere, uma vida além do trabalho, uma sociedade onde nossas vidas não giram ao redor do trabalho, mesmo quando não estamos trabalhando.
É um consenso entre a esquerda que este é um movimento com um enorme potencial, no entanto, há um problema: a esquerda, especialmente as grandes vozes da esquerda, as personalidades e influencers com grande alcance não estão fazendo nada além de falar positivamente do movimento.
Todo mundo quer que o VAT seja bem-sucedido, até liberais e pessoas despolitizadas dentro do movimento que não tem a menor ambição de superar o capitalismo, mas como o VAT vai chegar onde quer sem uma estrada para seguir?
Reconhecendo o valor deste movimento, gostaria de fazer algumas sugestões através deste artigo que creio que podem ajudar tanto ajudar o VAT a alcançar seus objetivos, quanto responder à pergunta mais importante para nós da esquerda radical: oque fazer?
A primeira coisa a se entender a respeito deste artigo é que a análise que fazemos aqui é uma análise anarco-sindicalista, também chamada sindicalista revolucionária. Alguém pode perguntar “Mas por que anarco-sindicalista? Oque este tal anarco-sindicalismo traz para a mesa? Por que a análise do anarco-sindicalismo é qualificada para o VAT?”
A resposta é simples: O anarco-sindicalismo é o VAT que já deu certo, e em uma situação bem mais difícil. Isto não é nenhum exagero, foram anarco-sindicalistas que conquistaram a jornada 5×2 pela primeira vez.
Qualquer análise mesmo que superficial da história dos direitos trabalhistas no Brasil vai lhe apresentar o fato que a primeira grande leva deles veio devido à Greve Geral de 1917, greve encabeçada pela Confederação Operária Brasileira, organização do tipo anarco-sindicalista e que era parte da internacional anarco-sindicalista (IWA-AIT). Tendo isso em vista, é justo dizer que o anarco-sindicalismo tem no mínimo conselhos úteis para o VAT.
Para se traçar uma rota é tão importante sabermos onde estamos quanto para onde queremos chegar, no nosso caso isso implica em entender também o VAT em si.
O VAT é certamente cheio de qualidades, além de sua proposta principal bem clara o VAT está crescendo e se tornando um dos movimentos sociais mais avançados de nossa realidade, mas como assim avançados?
Bakunin nos ensina que existem três pré-condições para uma revolução, sendo elas:
1- Ódio pelas condições onde as massas se encontram.
Talvez ódio tenha sido uma escolha de palavra exagerada por parte de Bakunin e certamente não descreve o movimento, levando isso em conta, o VAT mostra que o povo tem uma grande rejeição pela carga horária a qual está sendo submetido. Isto é importante.
2- A crença que a mudança é uma alternativa possível.
Este talvez seja o ponto mais forte do VAT, a maioria dos integrantes é bem animada e até otimista, a maioria dos movimentos tem total certeza que é possível tanto reduzir a escala 6×1 quanto alcançar a vida além do trabalho.
3- Uma visão clara da sociedade que trará a emancipação humana.
Trazendo uma crítica construtiva, esse é o ponto fraco do VAT. A proposta da redução da escala 6×1 sem redução salarial é um ótimo começo, mas é ótimo somente como começo.
Não há consenso sobre qual deveria ser a nova escala (por mais que a maioria pareça estar mirando no retorno da 5×2) e se a pauta do movimento também vai fazer outra demanda um pouco mais objetiva.
A ideia de vida além do trabalho em si, por mais que ótima e muito querida pelo movimento, assim como razoável para a população em geral, infelizmente tem o problema de ser muito vaga. Além do trabalho de que forma? Como saberíamos na prática que a vida já não gira mais só entorno do trabalho?
Entre forças e fraquezas, novamente o VAT é um movimento com grande potencial. Boa parte de seus integrantes já tem ou está começando a ter alguma consciência de classe e uma vontade de criar um mundo melhor, o desejo mais bonito que existe.
Para nós anarquistas, esta consciência e a força do VAT na segunda condição apresentada por Bakunin tornam este movimento um espaço muito interessantes.
Espaços onde o VAT está muito presente são ótimos espaços para se convidar alguém a se sindicalizar, discutir a luta de classes ou ainda apresentar as pessoas ao anarquismo, tendo em vista que é um movimento avançado, a recepção ao anarquismo será provavelmente bem melhor que a média assim como a curiosidade para ouvir sua teoria será melhor.
Tão importante quanto entender o VAT fundamentalmente é entender sua força no momento. A realidade é complexa, se nós fossemos citar todos os fatores que fortalecem ou que contribuem para a vitória de um movimento social, nós não terminaríamos nunca, porém nós anarco-sindicalistas reconhecemos que existem dois fatores principais para determinar a força de um movimento.
O primeiro é o seu tamanho, tamanho entendido aqui como número de pessoas que fazem parte de um movimento. É bem óbvio o motivo pelo qual este é um fator importante, mas elaborando um pouco: o tamanho de um movimento, neste sentido, indica diretamente quantas pessoas ele é capaz de mobilizar e quantas pessoas estão sendo apaziguadas ou irritadas quando se atende ou não ao que esse movimento busca.
Além disso, um movimento maior também implica em parte que ele provavelmente representa melhor as pessoas que ele afirma representar (embora este nem sempre seja o caso).
O VAT ainda tem muito oque crescer, mas já tem um tamanho considerado, que como já foi dito vem ganhando um espaço maior e maior na internet e sociedade.
O segundo é a capacidade de um movimento de ser disruptivo. Note que a palavra-chave aqui é “capacidade”, frequentemente a mera ameaça de se fazer algo é o necessário para alcançar oque desejamos e o mero ato de estar preparando algo já é o suficiente para começar as negociações.
Este é o segundo fator onde o VAT mais precisa melhorar para cumprir seus objetivos. Por mais que tenha participado de alguns atos de outros movimentos o VAT é primariamente sobre discussão a respeito do tema.
Entender estes dois fatores que compõe a força de um movimento é entender como evitar a derrota. Um movimento enorme, mas que não está disposto a fazer nada na hora do vamos ver pode ser facilmente comprado com as famosas promessas de político, enquanto um movimento extremamente disruptivo, mas pequeno, pode ser facilmente esmagado pelo Estado com alguns mandados de prisão. Logo, nós precisamos das duas coisas.
Não é segredo que a forma para se progredir em qualquer coisa na vida é entender e consertar nossos problemas, logo eu gostaria de sugerir algumas soluções para os problemas do VAT. Eu gostaria de apresentar estas soluções através do estudo, que é uma das coisas mais importantes da vida.
Para a questão do VAT poder ser mais disruptivo, eu gostaria de recomendar aqui um livreto que pode ajudar muito nisso: Como Demitir seu Chefe.
Como Demitir seu Chefe tem menos de 20 páginas e é sobre vários métodos de greve e outras práticas úteis para a luta dos trabalhadores, tudo é escrito de forma muito didática e breve de forma que pode ser facilmente lido em menos de meia hora. É necessário pensar primeiramente na lei e na questão legal antes de se aplicar na prática qualquer coisa daquele livreto, é claro.
Como Demitir seu Chefe é universalmente útil, você não precisa ser anarquista para ler e ganhar com a prática do quê está escrito lá, que se refere principalmente ao que nós anarquistas chamamos de Ação Direta. A Ação Direta é definida por Neno Vasco da seguinte forma:
“Emprega-se hoje geralmente esta expressão para designar, em sentido restrito, a ação da classe operária, sem interpostas pessoas, com os meios que lhe são próprios (greve, boicote, sabotagem, etc.).
Analisando a ideia, vê-se facilmente que a ação sem interpostas pessoas, isto é, sem delegação de poder, tem aplicação em todos os campos, no econômico e no político, tanto contra os patrões como contra as autoridades, abrange várias formas de atividade e resistência, e não é senão o anarquismo considerado como método.”
Para o segundo problema, o da falta de uma visão clara da sociedade futura, eu gostaria de propor uma leitura um pouco mais longa, porém igualmente simples, e ainda mais prazerosa: A Abolição do Trabalho, por Bob Black.
A Abolição do Trabalho não é sobre literalmente acabar com o trabalho para sempre, mas exatamente sobre a mesmo sonho do VAT: criar um mundo onde a nossa vida não gira somente ao redor do trabalho.
Embora Bob Black seja um anarquista, e não anarco-sindicalista, sua sociedade futura e as motivações para ela são muito bem explicadas no livro, de forma que quem sonha com as melhorias para a vida que o VAT ainda trará, irão sem sombra de dúvidas ao menos simpatizar. Vale lembrar que Black não é perfeito, algumas de suas colocações são equivocadas, em especial as relacionadas ao feminismo.
Ambos os livros e alguns outros links úteis para quem se interessar pela discussão feita nesse artigo estarão disponíveis no final, incluindo vídeos.
Ademais, os movimentos Vida Além do Trabalho e anarquista continuam juntos na direção do sucesso!
A classe vencerá.
Como Demitir seu Chefe em PDF (gratuito)
https://lutafob.org/wp-content/uploads/2020/08/como-demitir-seu-chefe.pdf
A Abolição do Trabalho em vários formatos (gratuito)
https://bibliotecaanarquista.org/library/bob-black-a-abolicao-do-trabalho
Anarco-Sindicalismo em 2 Minutos!
https://youtu.be/KcrWb1Wg540?si=vjEkJKqOzFDC2lOy
A Lobinha explica: Trabalho e crueldade (vídeo sobre A Abolição do Trabalho e mais)
https://youtu.be/f43v8wN5RCU?si=mABUy-K-KtXP8ePe
Anarquismo Real e a CNT-FAI (episódio de podcast sobre uma revolução anarco-sindicalista)
https://youtu.be/4jTOFUX1lbE?si=7sqFsTJ_m6WGZici
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