Apesar de todo o tipo de ataque, a revolução mais jovem do mundo está resistindo e crescendo há mais de uma década no Rojava, no oriente médio. Recentemente a população do Rojava se uniu para defender uma usina elétrica de ataques do governo turco de uma forma curiosa, que desprova vários dogmas dos piores setores da esquerda, entre eles o derrotismo, a noção de que o povo necessáriamente precisa de organização formal para agir, a ideia que somente a ação violenta implica em mudança e a acusação que o anarquismo não poderia se defender do imperialismo. Segue um trecho traduzido do site da Comuna Internacional de Rojava sobre o fato:
“Se não posso dançar, então não é a minha revolução .” Nós nos perguntamos o que Emma Goldman diria se pudesse estar aqui conosco, olhando para essas centenas de pessoas, dançando, durante uma ação de defesa da usina elétrica de Swedî, Derik, no Nordeste da Síria.
Swedî é a maior central elétrica de toda a região, fornece energia e gás a mais de 2 milhões de pessoas. Pela sua importância essencial, é também um dos muitos locais que foram recentemente bombardeados. Em resposta a isto e ao risco de novos ataques, que poderiam interromper definitivamente a sua produção de electricidade, a população de Derik e as muitas aldeias da região de Koçerata decidiram organizar vários “dias de ação”. Nestes dias as pessoas reuniram-se em torno da usina e de outras infraestruturas essenciais (as necessidades básicas das pessoas) para protegê-las e barrar ataques contra ela, com a sua própria presença física e com a sua própria vida. Neste, como em outros casos, perante esta guerra contínua e total, a sociedade tomou iniciativa e organizou-se para levar a cabo diferentes formas de resistência, de acordo com as necessidades da situação. Lá, todas as pessoas se esforçaram muito. Todos participaram da organização com tarefas diferentes. Alguns organizaram os carros para chegar aos diversos locais, alguns fizeram discursos e outros prepararam comida e café para todos. E claro, depois todos aderiram a dança.
“Não podemos viver sem solo, sem água ou sem eletricidade.” Delila nos disse, uma jovem de 22 anos que veio para a ação, “e é por isso que estamos aqui hoje, para mostrar a nossa resistência. E resistiremos até o fim. Não sairemos da nossa terra. Mesmo diante da face de todos os ataques que Erdogan possa ordenar, não iremos embora e deixar de proteger estes lugares.” Algo muito impressionante é o espírito de compromisso social e coletivo que o povo demonstra, mesmo sob a constante ameaça de novos ataques. A responsabilidade e o amor que normalmente associamos dos pais aos filhos, aqui, são coletivizados para a sociedade de forma mais ampla. Ouvir “Você é meu filho” de uma mãe não é raro, também para nós, internacionalistas, isso expressa a natureza dos laços comunitários.
A luta pela resistência e pela autodefesa assume formas muito diferentes e uma delas é a criação de vida e a união enquanto comunidade. Estas manifestações não têm apenas o objectivo de proteger fisicamente locais específicos, mas mais ainda, são momentos de fortalecimento dos laços entre as pessoas, reafirmando os princípios em torno dos quais esta comunidade existe e quer construir-se: liberdade, democracia , multiculturalismo, multiétnico e religioso, resistência.
O que também nos perguntamos é de onde o povo tira forças para resistir, e das suas palavras, do seu modo de viver, entendemos que isso vem da ligação com a sua terra, do estar enraizado nela, e da conexão com as próprias raízes culturais e históricas. É também isso que permite às pessoas pegar a raiva e o medo que todos obviamente sentem e transformá-los em força e vontade de resistir.
Quando um drone começou a voar muito baixo, acima da usina e de nossas cabeças, as pessoas imediatamente decidiram se deslocar e fazer uma marcha dentro da usina, espalhando-se, de forma a ocupar uma porção maior da usina, enviando desta forma uma clara mensagem ao Estado turco “ Defenderemos este lugar, esta central eléctrica, de todas as maneiras possíveis , com os nossos corpos também.”
O contraste era incrivelmente claro, de um lado, acima de nós, um drone, produto da guerra de alta tecnologia e da indústria de armamento, ameaçava as pessoas presentes, do outro lado, no terreno, a sociedade (mulheres jovens e velhas, trabalhadores da usina, as crianças etc) estava junta, pronta para resistir, criando assim a forma mais forte de autodefesa.
Ao falar sobre a situação, as pessoas também partilham a sua raiva e aversão à coligação “O que eles fazem? Eles ficam lá, e olham, enquanto nós somos bombardeados”, e ao mesmo tempo os países ocidentais, que através da propaganda se descrevem como democracias, são reconhecidos como os mesmos actores que então se sentam ao lado de Erdogan¹ e colocam o interesse económico à frente do respeito de qualquer direito humano e, assim, permitem o Genocídio Curdo².
Enquanto o exército turco, que sofreu recentemente grandes perdas nas montanhas, decidiu vingar-se dos civis, do povo do NES³, tentando separá-los da resistência da guerrilha, outro aspecto que realmente nos impressionou foi a clareza com que o povo, com estas ações, reafirmou esta unidade e solidariedade.
A mensagem que estes dias de ação, com as palavras dos discursos, da marcha e das danças estão a enviar, não apenas ao exército turco, mas a todo o mundo, é que o povo da NES não ficará calado, não deixará seu direito de viver seja afetado pelo inimigo. Eles continuarão a lutar pela vida. Berxwedan Jiyan e, é uma expressão da ideia de que não há vida sem resistência e que resistir é criar uma nova vida. Celebrar a vida apesar das dificuldades, encontrar a alegria e a vontade de estar junto sabendo que somente unida a sociedade poderá enfrentar esta pesada situação e não apenas sobreviver, mas criar uma vida que tenha as cores de todo o povo.
Comuna Internacionalista de Rojava,
30.12.2023
[1] Presidente fascista da Turquia.
[2] Tentativa prolongada, principalmente pelo Estado turco mas por outros também, de apagar o povo curdo.
[3] Sigla abreviada de Federação Democrática do Norte da Síria, o nome formal do Rojava.
Original disponível em: https://internationalistcommune.com/we-will-defend-this-place-this-electricity-plant-in-every-way-possible-with-our-bodies-too/
Este texto é uma colaboração entre o jornal e o coletivo de tradução, ambos parte do Coletivo Editorial Letra A.
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