Nova Plebe

Vida além do trabalho, aqui e na Espanha

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Nota: o artigo a seguir é parte de uma colaboração internacional e grande alegria para nós, é necessário no entanto deixar claro que meu nome (Samuel N. Marques) somente é citado na página devido a uma limitação técnica do WordPress, todos os créditos e minha gratidão para nosse correspondente.

Ume militante de Burgos.

Este artigo consiste numa colaboração dupla onde apresento uma comparação das jornadas legais de trabalho entre os estados brasileiro e espanhol e das campanhas para reduzi-las em ambos territórios.

O sindicato onde milito na Espanha, a Confederação Geral do Trabalho, tem uma campanha confederal em marcha pela redução da carga horária nas jornadas laborais sem redução de salário.

Atualmente, a jornada completa legal é de 40 horas semanais. A ministra de Trabalho anunciou negociações com os “agentes sociais” (patronal e sindicatos chapa-branca) uma redução para 37,5 horas semanais, mas o mesmo fizera ela com o salário mínimo para 2024: propôs uma atualização dos 5% e os chapa-branca dizerem que um 4% melhor.

O número de referência para a campanha confederal é 30 horas semanais, uma quantidade factível, vista a história do sindicalismo espanhol, e que já o Piotr Kropotkin atribuiu ao Benjamin Franklin. Esta é uma campanha coordenada a nível confederal, mas a minha mente não poder evitar a comparação com a campanha brasileira “vida além do trabalho”, mesmo que seja uma campanha espontânea e maioritariamente online.

A clave em ambas é não viver para trabalhar. Primeiramente, não viver para o trabalho produtivo, que devora um terço do dia, mais o transporte, o descanso e a comida necessários para este trabalho, e a parte proporcional do sono, que deixam pouco tempo restante para tudo o demais, incluindo o trabalho reprodutivo não remunerado, seja de cuidado próprio ou alheio. Nenhuma distribuição do trabalho que só compute o produtivo pode ser realista nem justa.

Além disso, devo mencionar o tempo invertido no transporte entre os lugares de trabalho e de moradia, protegidos escassamente como “in itinere” na legislação espanhola e não remunerados nem incluídos nos cômputos de jornada, artificialmente aumentados pelo encarecimento da gentrificação dos lugares com vagas laborais, a escassez desta nos lugares com moradia economicamente acessível e a nefasta regulação espanhola do teletrabalho.

A jornada de 40 horas semanais não caiu do céu. Foi o resultado duma série de greves, culminada com a Greve Canadense de 1919, desatada numa companhia hidrelétrica anglo-canadense em Barcelona. O conde de Romanones, primeiro-ministro do governo espanhol, perguntou ao seu prisioneiro político Salvador Seguí (sindicalista da CNT conhecido como Noi del Sucre, o garoto do açúcar) e o Noi lhe apresentou as demandas comuns duma greve mais a jornada de 8 horas diárias. O conde de Romanones aceitou, e desde então seguimos com 8 horas diárias, sem avanços em 105 anos neste sentido.

Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, a jornada máxima diária é de 8 horas no Brasil, mas o Estatuto dos Trabalhadores permite até 9 horas na Espanha, por distribuição irregular das 40 horas semanais.

O descanso dominical foi aprovado na Espanha por lei em 1904, garantindo 24 horas de descanso continuadas em domingo, como norma geral, ou num outro dia se o domingo trabalhar. O decreto do Romanones estabelecia 48 horas semanais, o que no Brasil chama-se escalada 6×1. Nisso, sim, avançamos na Espanha, porque uma jornada de 40 horas semanais, na prática, se assemelha a escalada 5×2. Contudo, o Estatuto dos Trabalhadores estabelece agora um descanso dominical de um dia e meio continuados, não duas jornadas inteiras como deveria. Entre as jornadas consecutivas, ele estabelece 12 horas continuadas de descanso, frente às 11 horas no Brasil.

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