Nova Plebe

Zula: falência criativa do capitalismo.

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    Já há algum tempo eu ouvi falar que um FPS free-to-play em particular vinha crescendo, e ao ver ele disponível na Steam eu decidi arriscar, essa é a história de como eu me arrependi de jogar Zula.
    O FPS turco pode ser rapidamente explicado como uma mistura de Crossfire e Call of Duty: Modern Warfare, só que sem as qualidades de nenhum dos títulos e com os defeitos de ambos acentuados, mas creio que seja necessário elaborar um pouco mais.
    Ao me conectar em uma partida eu quase imediatamente notei duas coisas. A primeira era que o jogo tem um excesso estranho de efeitos de iluminação, particularmente bloom, que além de já ser um truque muito batido (muitos devs usam níveis altíssimos de bloom como uma forma de “melhorar” os gráficos do jogo sem precisar fazer esforço), criava um destaque estranho com as texturas do cenário, que não eram tão detalhadas ou profundas assim, oque causa um estranhamento quando se contrasta as duas coisas.
    A segunda é que os modelos de jogador em Zula não parece ter nenhum tipo de sentido ou lógica. O jogo tem duas equipes, a Zula, titular do jogo, é completamente formada por caras de terno, um em particular que me lembra muito o personagem Kiryu da franquia Yakuza.
    A segunda, denominada Gladio, é um pouco mais crível já que quase todo membro carrega equipamento minimamente adequado (coletes a prova de balas, cintos com munição, etc.), mas aí existe um personagem chamado Larry, que é obviamente baseado no Midwest Militia do CS 1.6, um chamado “Pablo”, que é baseado de forma dolorosamente óbvia na representação do traficante Pablo Escobar da série Narcos pelo ator Wagner Moura, e outro francês, literalmente chamado “Pierre”, que usa uma boina, um moletom com a palavra “França”, e tem o bigodinho fino estereotípico do país. Nesse ritmo por que não nomearam ele logo de “Napoleão”?
    Isso seria justificado pela história que gira ao redor de uma trama a respeito de agências de inteligência atuando na Turquia. Mas em primeiro lugar, das várias horas que joguei para fazer essa análise NADA no jogo me lembrou da história. Em Counter-Strike, dando um exemplo, você tem um resumo da história da facção antes de escolher um modelo de jogador. Em Call of Duty e no falecido CS GO, as falas de personagem costumam conter detalhes que lembram da natureza da facção a qual aquele personagem faz parte. Zula dificilmente tem algo desse tipo.
    Em segundo lugar, é porque mesmo com a necessidade de manter um disfarce, agente de inteligência na vida real ainda precisa se adequar corretamente caso a operação tenha um risco de confronto, isso não se reflete no jogo.
    É bem provável que o elemento mais importante de um FPS sejam as armas, uma vez que num jogo de tiro em primeira pessoas elas são a principal forma de se interagir com o mundo e o propósito do jogo em si.
    Zula parece não entender isso. A maioria das armas é sem graça e tem sons genéricos, nada satisfatórios, que não tem nada em comum com a sonoridade explosiva de uma arma de verdade ou mesmo de um jogo um pouco melhor.
Falando em armas, muitas delas estão ligadas a microtransações, um problema que vem crescendo na indústria dos games e com ela trazendo crescentes problemas, principalmente o tão infame “pay-to-win”.
    Mas talvez os piores elementos de Zula sejam os cenários. Boa parte deles são completamente sem graça e chegam a parecer pequenos demais ou incompletos, como versões minimalistas de mapas de Crossfire ou Counter-Strike. Isso fica mais evidente em mapas que retratam cenários mundanos como “Metrô” ou “Lan House”.
    Oque torna um mapa baseado em um cenário mundano marcante em um FPS é a sensação de “poderia acontecer aqui”, há algo aterrorizante nos melhores mapas do tipo como “cs_office” de Counter-Strike, “Terminal” de Modern Warfare 2 ou “Operation Métro” de Battlefield 3. Quando nós analisamos a fundo estes mapas, percebemos que eles representam uma situação de vida ou morte invadindo e rompendo com a vida cotidiana, isso é terror mais puro que qualquer monstro ou slasher mascarado, e é por isso que estes são ótimos mapas.
    Em Zula não há nada disso. Os mapas de Zula são arenas, você consegue sentir isso de forma praticamente instintiva enquanto anda.
    A gameplay também não é boa, além das armas não contribuírem, o personagem se move numa velocidade bem peculiar (peculiar aqui com uma conotação ruim) e quando você usar o botão direito para ativar a função de ironsight, o jogo dá também um zoom mesmo que a luneta da arma não tenha tal função ou que a arma não tenha nenhum tipo de dispositivo óptico, isto quebra completamente a imersão do jogo.
    O motivo pelo qual trago aqui tudo isso é para ilustrar algo importante: o capitalismo tende à falência criativa, como estamos vendo com Zula.
Economicamente falando Zula é uma escolha responsável, provavelmente rende e renderá uma quantidade boa de dinheiro com suas microtransações, mas é o melhor para os games?
    A quantidade de mão de obra e horas de trabalho no mundo é limitada, cada pessoa que está fazendo modelos 3D para a arma comprada com dinheiro de verdade na próxima atualização, não está trabalhando em um jogo experimental, que pode tanto ser maravilhoso e mudar toda a indústria dos games, quanto terminar sendo horrível e tido como exemplo do quê não fazer.
    A questão é que com um jogo pensado meramente para fazer dinheiro, a indústria não pode avançar e tirar lições. Dezenas de outros FPSs e jogos free-to-play também acabam tendo os erros que citei aqui. O tempo, trabalho e recursos do desenvolvimento e manutenção desse jogo, estão tendo um dos, senão o destino menos construtivo possível.
    Mas qual a solução para este problema? “Votar com a nossa carteira” e evitar ser público deste tipo de jogo? Cobrar mais as empresas? Nada disso!
Oque nós precisamos é de controle operário dos meios de produção, precisamos especificamente de autogestão.
    Eliminada a necessidade de encher os bolsos sem fundos dos acionistas e agradar os burocratas da tirania privada, e com cada dev tendo para si tanto a liberdade do poder de escolha quanto a responsabilidade da produção e da agência dentro da iniciativa, o desenvolvimento de games será mais fácil e recompensador do quê nunca, ao mesmo tempo que para se ter sucesso a qualidade e a inovação serão um pré-requisito, numa indústria onde as maiores mentes da área agora estariam trabalhando livres de qualquer corrente.
    O Futuro promovido pela autogestão é o futuro onde um jogo não é feito para agradar milionários, mas desenvolvedores e jogadores.
    A classe vencerá.


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